
Tomara que o dia tenha amanhecido translúcido, como o céu do primeiro dia da [Criação], e que o perfil do Cambirela se recorte contra o azul infinito, sem qualquer nuvem a lhe toldar o nariz.
Se está fazendo um belo dia de sol, será mais um dia para fruir os cenários da Ilha e agradecer ao Senhor dos Passos, pela terra em que vivemos, aquela em que [Ele] próprio escolheu para “viver”, a Desterro de 1747.hoje indfo er ao Senhor dos Passoas, aproveitando que estle estarahim Sued
– Ah,meu Senhor Jesus dos Passos, que bela ilha escolhemos pra exercer esse tão duro ofício, viver! Agora, precisamos de trapiches para embarcar em nossas canoas bordadas, nossas baleeiras açorianas, nossos caíques de pobres e até em nossas lanchas de ricos – pois o mar é “nostro” e é o mesmo mar sobre o qual um dia caminhaste e realizaste o milagre da multiplicação dos peixes!
O mar é o verdadeiro espelho do Céu, já poetara Fernando Pessoa, contemplando o Tejo da Torre de Belém, quem sabe numa bela manhã de fevereiro, como a desta quarta-feira, em que a preguiça bóia com a lerda singradura de alguma baleeira riscando a baía sul, entre o antigo Miramar e o Praia Clube.
Vejo o poeta Pessoa contemplar o nosso mar e pensar porque através dele não se aventuram mais os ilhéus e as suas sereias, mais os marinheiros e os navegantes de fim-de-semana – ou não será mais esta Ilha uma porção de terra cercada de mar por todos os lados?
Percebo um laivo de tristeza no poeta, cuja alma portuguesa se apressa a nos lembrar: “mar foi feito para ser singrado”. O poeta pensou no mar e naqueles bravos que nos deram a vida para desbravá-lo, pavimentando com destemor a sua estrada de ondas e espumas. Um dia, o bardo já havia escrito:
– Por te cruzarmos, quantas mães choraram/ Quantos filhos em vão rezaram!/Quantas noivas ficaram por casar/ Para que fostes nosso, ó mar!
E, no entanto, aqui, nesta ilha dos mares do sul, o poeta pressente que “este mar ainda não é nosso”. Um mar sem trapiches é como um rio sem pontes! – sopraria o poeta Vinicius, solidário com todos os heterônimos do colega luso.
E, contemplando a beleza indizível de Itaguaçu, Vinicius de Moraes lembraria a crônica do velho Rubem Braga, enaltecendo a reverência portuguesa pelo mar e pelos seus navegadores. Descreveria um encontro de lisboetas, no Rio, com o transatlântico luso “Santa Maria”. O belo barco aparecera na enseada de Botafogo, desaparecera atrás do Pão de Açúcar para ressurgir em Copacabana, Ipanema e Leblon, sempre acompanhado pelos “patrícios” – que o seguiam por terra, e de táxi!
Ao ressurgir ao largo da Avenida Atlântica, já em mar alto, os “portugas” deliravam, atiravam seus chapéus para o alto e gritavam em celebração para os passantes:
– É o Santa Maria! Olha o Santa Maria!
Pois aqui, na Ilha de Santa Catarina, esta visão do grande navio de “…E La Nave Va” não teria sido possível, eis que o velho porto da cidade já não serve mais para nada, desde os anos ditos “dourados” de 1950 e 1960. Época em que havia até muitos trapiches, mas já não mantinham o canal aberto para os grandes barcos, de calado um pouco mais exigente do que o de uma prosaica baleeira. Com o tempo, até os trapiches sumiram.
Até parece que esta cidade, medularmente marinha, “garrou nojo do mar”, como diria um Mané genuíno. Sabemos que, houve época, o trânsito de embarcações entre a Ilha e o Continente era intenso, como retratou em suas telas memoráveis o “marinheiro” Eduardo Dias.
O que secou não foi o mar.
Foi a vontade política dos que tinham a obrigação de zelar pela boa navegação, mantendo o porto e os trapiches em boas condições de uso – ligando Floripa ao Mundo.
